Sílvia chegou em cima da hora. As
aulas têm início as 7:15. Os professores e demais funcionários eram obrigados a
chegar uma hora antes. Sílvia para em frente a sala dos professores, olha no
relógio marcando 6:20, respira fundo abre a porta e entra. A sala estava cheia.
O professor de matemática
terminava de corrigir as últimas provas, do outro lado da mesa o professor de história
discutia com o professor de geografia sobre as diferentes abordagens políticas
de seus candidatos. Sílvia vai até a mesa onde estão três garrafas, duas de
café, uma contendo café com açúcar e outra sem açúcar. Do lado uma garrafa com
chá. Ela escolhe a garrafa contendo o café adocicado, na correria ela esquecera
de tomar café da manhã. Ela já estava de licença a mais de três meses. Todos se
aproximaram e a cumprimentaram dando boas-vindas.
-
Bem-vinda grande guerreia - comentou a
professora de artes.
-
Bem-vinda de volta, você fez falta. – Disse o professor de português.
-
Precisando de qualquer coisa Sílvia, pode contar com a gente.
-
Obrigada gente, creio que irei fazer a vida de todos melhores – Disse Sílvia
com um sorriso forçado no rosto.
O relógio marca (7:15) e uma
sirene toca avisando o começo das aulas, um alvoroço acontece, as crianças
levantam e sobem as escadas, umas animadas e outras nem tanto.
-
Bem... mais um dia começando. Não vejo a hora do final de semana chegar para
tomar aquela cervejinha esperta – comentou o professor de química esticando as
costas. - Esses meninos ainda me matam.
-
Cuidado para não beber demais, senão vai perder a moral na hora de pagar sapo nos
alunos. – O professor de matemática metido a bonachão.
Sílvia foi para a sua sala. Não
era uma sala muito grande, tinha um tamanho relativamente médio, era do lado da
sala da coordenadora pedagógica, ela entrou colocou sua bolsa na mesa e ligou o
computador. Seu médico sugeriu que ela parasse de dar aula e fosse para uma
área sem muita exposição. Ela então assumiu a vice coordenação pedagógica, na
qual seu trabalho era auxiliar as crianças com problemas de estudo. Ela se
sentou, tomou dois comprimidos e foi checar o e-mail.
O colapso nervoso já havia acontecendo
fazia algumas semanas, ela estava sob stress, ela reclamava de as vezes ver
coisas, escutar coisas, mas o auge do colapso aconteceu enquanto ela dava aula,
ainda não se sabe a real causa. Ela estava falando sobre a vida de Edgar Allan
Poe:
-
Edgar Allan Poe, poeta, escritor, crítico e contista norte-americano,
nasceu em janeiro de 1809 em Boston, Massachusetts -1849) e é considerado o pai
e mestre da literatura de horror. Órfão aos dois anos, foi criado por um rico
comerciante do estado da Virgínia. Iniciou sua esmerada educação na Inglaterra
e na Escócia, frequentou a Universidade da Virgínia onde passou a
dedicar-se mais aos jogos e à bebida, não aos estudos. Isso fez com que
rompesse suas relações com seu tutor. Em 1827, lançou seu primeiro livro de
poesias. Expulso da Academia Militar de West Point, entregou-se totalmente à
literatura, publicando contos em revistas. O poema "O Corvo", de
1845, é talvez o mais famoso poema da literatura dos Estados Unidos.
Alcoólatra, encontrou no casamento com sua prima Virgínia, de apenas 13 anos,
forças para lutar contra o vício e aumentar sua produção literária. Com a morte
de Virgínia, vitimada pela tuberculose como seus pais, voltou ao alcoolismo,
passando a viver em constante embriagues. Em 1849, passa mal em uma taberna de
Baltimore e, mesmo socorrido, vem a falecer.
-
Ele foi responsável por trazer o horror e o começo da história policial, seus
contos eram marcados por sinais de loucura e uma morbidez, ele começava sempre
seus textos com. – Nisso Sílvia sentiu
uma leve tontura, segurou na mesa, nisso os colegas começaram a se aproximar
-
Fessora, você está bem?
-
Eu acho que vou desma... – Sílvia cai no chão. Logo depois ela apenas lembra de
estar no hospital com um monte de cartões desejando uma feliz recuperação,
feito por alunos e professores.
A escola tinha turmas de 5ª até
a 8ª serie, o recreio começava as 10:00 e terminava as 10:20. O pátio era
sempre barulhento. Havia dois pátios, um pátio coberto onde ficava a biblioteca
e um pátio aberto onde ficava a quadra poliesportiva. Algumas crianças jogavam
futebol, outras conversavam e algumas mais reclusas ficavam na biblioteca. Sílvia desceu as escadas, ela sempre gostara
de passar um tempo na biblioteca, rever os antigos clássicos da literatura.
-
Olá professora Sílvia – comentou Jonas, um bibliotecário alto de óculos fundo
de garrafa – Fiquei sabendo agora pouco que você se recuperou de um colapso
nervoso.
-
É ainda estou me recuperando. Não sou mais professora, agora mexo com a parte
de coordenação pedagógica.
-
E o que te traz aqui no mundo magico da literatura?
-
Ah Jonas... você sabe, minha paixão está nos livros.
-
Fique à vontade professora, ops desculpe, coordenadora.
-
Não, não. Pode me chamar de professora, eu não me importo.
Ela entrou no primeiro corredor
e foi andando olhando as prateleiras, ela sempre gostou muito de ler, desde
pequena ela tem lembranças de sua avó dar de presente o livro Oliver Twist do
Charles Dickens. Ela se emocionou com a triste história do pequeno Oliver. A
história era um retrato de uma Inglaterra vitoriana, no ápice da revolução
industrial. O autor relatou a pobreza e a hipocrisia das famílias mais
abastadas. Achava um absurdo Noé Claypole no final ter se dado bem. Ela queria
que Oliver fosse seu irmão e amigo. Quando ficou mais velha começou a ler
historias mais pesadas e mergulhou de vez nos clássicos. Ela já não pertencia
mais a esse mundo comum. Ela agora conhecia o mundo da literatura.
A maioria dos livros na
prateleira ela já havia lido. Ela matou a saudade lendo um livro dos melhores
contos de Edgar Allan Poe, o seu favorito ainda era Gato Preto. Ela teve a
mesma reação de medo quando o personagem matou a sua mulher e escondeu na
parede.
“Um dia, acompanhou-me, para
ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que
nossa pobreza nos obrigava a morar, O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar
escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha
e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao
animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher
segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei
o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha
mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.
Aquela adega se prestava muito
bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito
cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um
reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa
das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que
se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente
retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo
modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita.
Arranjei cimento, cal e areia
e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se podia
distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao
terminar, senti-me satisfeito, pois, tudo correra bem. A parede não apresentava
o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando
o olhar em tomo, disse, de mim para comigo: “Pelo menos aqui, o meu trabalho
não foi em vão...”” -
Ela foi interrompida pelo sinal avisando que o recreio tinha acabado. Ela
guardou o livro na prateleira e subiu para sua sala.
Semana seguinte foi anunciado
que haveria um evento cultural depois do feriado. Cada turma deveria se juntar
para elaborar um projeto que envolvesse música, poesia e literatura. Sílvia
estava animada, sua cabeça imaginava várias coisas legais que poderia dar certo.
-
Quem sabe uma peça de teatro de Dom Casmurro, uma apresentação de ballet....
Faltando dois dias para o
famoso dia cultural uma notícia atrapalhou tudo, o computador pifou e não ficou
pronto a tempo as fixas de avaliação dos eventos. Como a Sílvia estava
responsável pela coordenação do evento, ela havia insistido para tomar essa
posição, ela viu esse problema como apenas um imprevisto e ela mesmo decidiu
resolver.
-
Tem certeza? Você vai ficar aqui até mais tarde, quem sabe virar a noite. –
Disse a coordenadora principal.
-
Eu dou conta do recado, não se preocupe.
-
Mas e sua doença? Sabe que não pode se esforçar muito.
-
Não tem problema, terei meus remédios, e fazendo algo que gosto não há o que me
preocupar.
-
A noite pode ser bem solitária.
-
Não se preocupe, eu trabalho melhor sozinha.
Sílvia foi para casa e voltou
as 17:00. A tarde a escola também funcionava para as turmas pré escolares do
jardim de infância até a 4ª serie. Como era véspera de feriado havia uma
felicidade no ar. Ela parou seu Sendeiro verde perto da praça que ficava em
frente ao colégio. Desceu com as folhas e materiais e entrou pela entrada
lateral. Sorriu para o zelador. Ela
desviou dos alunos que corriam brincando de pique pega. Subiu as escadas até a
sala dos professores e lá ficou.
Já estava escurecendo. O
relógio marcava 20:00, as luzes da escola estavam todas apagadas com exceção da
luz da sala dos professores.
-
Está tudo bem ai senhora? – Disse Manuel o vigia noturno. Ele segurava uma
lanterna e um bolo de chaves pendurada na calça. – Precisa de alguma coisa?
-
Está sim, obrigada por perguntar.
-
Estou perguntando, pois irei fechar a escola e ficarei do lado de fora vigiando
a rua, então quando terminar de sair, me dá um toque que abro o portão.
-
Que bom que você falou, poderia me passar as chaves das salas e da biblioteca?
-
Claro, aqui está.
Manuel então saiu pelo portão e
trancou com um cadeado e sentou em sua cadeira de plástico e colocou os fones
de ouvidos para assistir ao jogo São Paulo e Vasco. O celular de Sílvia
despertou notificando que estava na hora de tomar o remédio. Ela então procurou
na bolsa e não encontrou.
-
Droga esqueci o remédio em cima da bancada de casa. – Sílvia irritada jogando a
bolsa na mesa. - Ah, mas deixa para lá. Estou bem, afinal já estou
quase terminando.
O relógio na parede marcava
22:30, Sílvia estava empenhada no serviço, não notou o tempo passando. Ela
lembrou que existe um livro na biblioteca sobre a literatura do Século XIX, que
irá enriquecer ainda mais o projeto.
Ela resolveu ir até a
biblioteca, desceu as escadas e passou por uma sala vazia. Então um som que fez
ela gelar a espinha, era um som como se fosse barulho de algo rangendo.
-
Deve ser alguma janela aberta ou talvez o vigia. É deve ser isso. - Sua mente a confortou. Ela continuou andando,
entrou na biblioteca agora vazia e assustadora. Pegou o livro e foi andando de
volta. Ela passou por uma sala e a luz estava acesa e a janela aberta.
-
Puxa vida. Esqueceram de apagar essa luz. Esse pessoal não sabe que a luz está
cara? Segunda Feira vou convocar uma reunião para falar disso. – Ela fecha a
janela e apaga a luz.
Ela segue seu caminho. Ao virar
um corredor escuta barulho de passos e vê pelo canto do olho um vulto correndo.
Isso faz seu coração acelerar. Ela tenta lembrar dos exercícios de pânico que
ela aprendeu com a psicóloga.
-
Está tudo bem, é apenas coisa da minha cabeça, esqueci de tomar a dose é isso. Amanhã
eu tomo e está tudo bem. – Ela abre os
olhos e está tudo como devia estar. Ela ainda escuta um barulho de rangido,
como se tivesse algo sendo arrastado. Ela volta correndo para a sala e pega seu
celular, ele está com 1% de bateria. Ela tateia na bolsa procurando o
carregador, mas não encontra, havia esquecido em casa, provavelmente do lado do
remédio em cima da bancada.
-
Que estupida que sou. Como fui esquecer duas coisas importantes? Já chega de
trabalhar, vou para casa. Amanhã continuo. -
Ela apagou as luzes, trancou a sala dos professores e foi descendo as
escadas quando sente algo passando correndo atrás dela. Sua espinha gela e ela
soa frio. Ela pega seu celular e tenta ligar para o vigia, o telefone não chega
a completar a ligação.
-
Maldito celular, tinha que acabar a bateria logo agora. O jeito é bater no portão
e torcer para ele abrir.
O barulho de algo arrastando
continua e Sílvia nota que está ficando cada vez mais alto. Ela acelera os
passos, descendo as escadas ela percebe que “Algo” também acelerou os passos.
Ela tenta virar o corredor e olhar o que é. Mas não tem coragem. - Será que isso é real ou apenas estou
delirando? - Sua mente funcionada a todo
vapor - Será que estou tendo outro colapso nervoso?
Sílvia apesar de frequentar
igreja desde pequena, nunca fora religiosa. Seu cérebro não conseguia conceber
a ideia de que existem coisas sobrenaturais. Ela com a pulsação acelerada
respira fundo e tenta raciocinar. – Quem sabe é alguém fazendo alguma
brincadeira de mal gosto. Alguém que sabe do meu colapso nervoso e quer fazer
um trote. O barulho ia se aproximando, era um andar calmo e sádico, Sílvia se
sentia como um prisioneiro esperando o seu carrasco, ela havia sido julgada e
condenada. Ela pensou que isso era uma punição por ter convencido Jonas seu
amigo de infância a subir em uma árvore para pegar uma maça, ela sabia que o garoto
era apaixonado por ela, ele não iria recusar, sua mãe lhe ensinou que um homem
apaixonado não recusa um pedido de sua princesa.
O garoto subiu, porem ele não
viu que havia um ninho de vespas, assim que ele encostou na maça o galho
balançou e as vespas vieram para cima dele, ele se desequilibrou e caiu da árvore
batendo a cabeça em uma pedra, morrendo imediatamente. Ela nunca se perdoou por
isso. Será o universo cobrando sua dívida?
A “coisa” se aproxima e ela dá um
grito abafado e sai correndo. Falta pouco para chegar perto do portão – ela
pensou. Ela tropeça e cai torcendo o tornozelo.
-
Aiii, meu pé. – Ela tenta se levantar, mas a dor não deixa. Ela sente A Coisa
se aproximando. Ela respira fundo e vai se arrastando.
-
Falta pouco, minha salvação está quase ali.
- Ela vê o portão com o vigia sentado de costas, é só bater no vidro que
ele irá abrir. O vigia estava totalmente alheio a tudo que estava acontecendo,
o seu time havia acabado de fazer um gol. Ela sente algo encostando em sua
perna, ela sente algo perfurando a pele, ela tem medo de olhar. Ela tenta rastejar
mais rápido “Aquilo vai me pegar”, então coloca a mão suja de sangue espalmada
no vidro fosco. Era o seu fim.
Postado por Caio Geraldini
Deixe seu Like, Comente e Compartilhe